segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Devolva-me

Demorei quase duas décadas para empilhar encartes e equilibrar caixinhas em estantes de madeira, de plástico e de madeira. Deixei empoeirá-las até me sentir seguro para viver com alguém.

Arrumei sacolas roxas, de feira ou de pano, grandes e pequenas, escoradas no ombro, nas costas e no chão de trens e metrô. Perdi algum fôlego enquanto o taxista não me ajudava

Pude guardá-los num canto onde pudesse ver e depois ouvir — de preferência quando alguém mais não estivesse ali.

Ela se foi.

Eu invadi o quarto e roubei o conteúdo de um daqueles envelopes.

Trouxe dois amigos para ouvir. Pulei, eram nove da manhã.

A chuva ainda caía, mas não sentia vontade de deitar e deixar o sono vir.

Vi a noite chegar e quem eu esperava não aparecer.

A madrugada surgia, invadia. E o sol do outro dia brilhava enquanto a outra não vem.

A história repetiu. Mais uma, mais duas, mais três.

Arrumei outras sacolas e deixei parte das velhas empoeirar no quarto.

E ela se foi.

E as caixinhas empilhadas agora morrem na vida de outrém.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Melhor assim

Ficar mal? Ora, fique por mim. Não queira saber o que acontece. Melhor assim, o segredo. Deixe que ninguém descubra o por quê de você não estar bem. Mas culpe o outro, ok?

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O meu abraço


O meu canto fica à esquerda da entrada da sala. De lá vejo a TV sem esticar os pés para desligá-la. Pesquei o celular e preferi andar sob a lua. O sono ainda vai demorar.

O guarda da esquina parece não me ver. Dou mais dois passos enquanto cruzo a rua, torcendo por um guardião de asas brancas e auréolas pintadas. Ele não vem.

Me acostumei com os pequenos barulhos. Alguém, numa moto, apita algo. Tem gente aí? Por enquanto é só o moletom entretido num calça menos folgada. Já não sou mais tão moço.

As meninas da rua não se vestem. Me oferecem coxas, mas hoje eu só quero colo. Dou de ombros e sigo pela estreita rua que sai da avenida. Subo uns degraus. Encosto meu rosto na almofada e sonho com esse abraço. Por enquanto, eu só tenho o meu.

domingo, 5 de julho de 2009

Corinthians ou Curíntia?

Como pode um clube tão popular ter um nome tão britânico? Foi assim há quase 100 anos, quando um grupo de imigrantes, “à luz de um lampião, na esquina das ruas dos Italianos e José Paulino”, fundou o Sport Club Corinthians Paulista no Bom Retiro.

O objetivo ali era traduzir o ímpeto de um clube inglês, que brilhara em uma recente excursão para o Brasil, para o idioma local. Ou seja, mais do que o nome, “copiar” o espírito do Corinthians Team: um time que demorou a assumir o profissionalismo porque entendia o futebol mais como uma paixão do que um emprego. Nada mais corintiano.

O torcedor viu formas de grafia variando conforme as décadas — a revista “Placar”, por exemplo, chegou a adotar um “Coríntians”, assim, com acento, durante os anos 70 — até que optou-se pelo tradicional, com teagá e sem acento no i.

O popular Curíntia, das ruas e do tobogã do Pacaembu, é a versão oral dessa paixão, nunca escrita. Ou melhor, não havia sido escrita até que um jornal tratou de publicá-la, com a intenção de traduzi-la mais ao alcance da expressão.

Não é invenção. Tratar o sentimento alvinegro assim é traduzir o sentimento de arquibancada. Ouvir ou dizer “É Curíntia!” serve para apaziguar brigas ou simplesmente afirmar que ali corre um sangue sem frescuras, que a um simples empurrão (da galera, do pai, da esposa, do filho...) pega no tranco e parte para um resultado heróico. Isso sim “é curíntia”: comemorar um gol sofrido, um empate aos 47min do segundo tempo, um desvio de bico de um chute mal dado...

E não há nada menos corintiano do que firulas em campo. Corintiano que é corintiano vai direto ao ponto. E para bom entendedor uma boa palavra sem teagá e com acento no i já basta.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mário Simonal

Wilson Simonal tinha o público nas mãos nos anos 60, quando imperou ao lado do rei Roberto Carlos. Teve a chance de reger 30 mil pessoas em uma apresentação que não era a sua e ser o mais ovacionado em um festival de música que nem mesmo concorria.

Mas o que faz o “rei da pilantragem” neste espaço? Primeiro: “Ninguém Sabe o Duro que Eu Dei”, documentário feito a seis mãos, traz preciosidades que precisam ser vistas por quem curte o esporte. A principal delas, talvez, são imagens de bastidores da seleção na Copa do México, quando Simona era o convidado especial da delegação. Um inacreditável Pelé canta “País Tropical” para desespero dos colegas Paulo Cesar Caju, Edu e Carlos Alberto. No episódio do corte de Rogério (ex-Botafogo) e posterior convocação de Leão, Chico Anysio conta, incrédulo, que Simonal achava que fosse o substituto: “Ele acreditou! Ele acreditou!”

Pretensioso e desconhecedor da política, Simonal tropeçou numa falsa sensação de poder. Foi sabotado e limado do mundo da música. No fim da vida, emergiu do fosso em que foi deixado para levar provas de que não fora informante da ditadura a programas classe Z mais interessados em seu drama que na música.

A trajetória de Simonal tem algumas semelhanças com um boleiro de nosso tempo. Mário Jardel, ex-artilheiro de Grêmio, agora milita pelo interior do país. Diz ter sido traído pelas drogas, que roubaram a inspiração pelos gols e pela vida. Retornou ao clube em que foi formado, o Ferroviário-CE, mas saiu depois de poucos meses com apenas um gol. Agora, fala em jogar no Olaria, na segunda divisão no Rio, ou implora por uma chance do Benfica, o único da trinca portuguesa em que não atuou.

O que é certo é que Jardel interessa mais pelo seu drama pessoal do que pela bola. Se os clubes não querem mais saber do jogador, os programas de fofoca e jornais e revistas em busca da notícia fácil não pensam duas vezes antes de explorar o pai sem família, sem que ninguém saiba o duro que ele deu. Triste coincidência.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Viva Cantona!

Eric Cantona está de volta. Não aos campos em que brilhou nos anos 90, mas às telas de cinema. E ao lado de Ken Loach — se você não conhece, é um cineasta britânico que trata de questões políticas e de futebol com a simplicidade que elas merecem.

O francês é a estrela de um filme que empresta o seu nome, “Looking for Cantona”, cuja pré-estreia ocorreu anteontem em Cannes. Na obra, o astro entra em campo duas vezes: a primeira como um pôster que ouve as confissões e os pedidos de um carteiro e a outra como o próprio Cantona, que o aconselha uma vida melhor.

É interessante que o mundo volte a falar do ex-jogador justamente nesta semana, quando o Manchester conquista o segundo tricampeonato de sua história.

A razão de existir um clube tão profissional, que conquistou 11 títulos desde que surgiu a Premier League, em 1992, está vinculada ao sempre festejado Alex Ferguson e também a Cantona. Bad boy, conhecido por jogadas e problemas geniais (a voadora em um torcedor do Crystal Palace é tão lembrada quanto os gols que fez), o francês tornou-se a primeira estrela a vestir a jaqueta vermelha dos diabos — na época, há 25 anos na fila —, depois de ser praticamente arremessado para fora do então campeão Leeds United, hoje na terceirona inglesa. A troca de papeis entre os clubes é sintomática.

Talvez demore alguns anos para “Looking for Cantona” chegar por aqui, como ocorreu com outras obras de Ken Loach (“My Name Is Joe”, de 1998, só chegou em 2000 e tratava de... futebol). Mas será interessante ver o francês explicando que o melhor do futebol é o passe, não o chute. Bonito isso.

terça-feira, 3 de março de 2009

Metáforas de Jupiter

A terapia não tem ajudado. Deito no divã de Cybelle tentando entender essas curvas dos últimos sete anos, mas não há resposta. Pensei em atividades. Andar de bicicleta à noite, quem sabe. Vou pintar quadros. A guache. Vou desafiar a gravidade.

Mas tudo isso passa. É só tristeza. A psiquiatra pediu para separá-la da depressão. Não vou tomar remédios para despistá-la. Uma corrida, talvez? Melhor fugir da noite. Um amigo indicou um colchão e talvez eu migre para lá por uns tempos.

Estou calmo. Nâo briguei com mais ninguém nas últimas três semanas. Descobri atalhos tal qual um jogador de mais de 30 anos. É a minha idade, certo? Um garoto olhou a minha camisa. Eu não tive felicidade de reparti-la. Vou doar minhas roupas. Amém.

Peguei um ônibus e segui até o meio-fio do viaduto. Atravessei a rua e andei poucas quadras. Nem pensava que podia estar em casa, ardendo um pouco mais.

Naquela casa, um palco avançava a pista para receber um cara, o Júpiter. Enfrentei a dor, o calor e o cansaço. E ouvi.

Um mundo particular, fora do que ocorria ali. O meu e o dele. "Uma Tarde na Fruteira" já era assim. Um mundo meu e outro dele no mesmo disco.

Tá, vou pedalar. Como Jupiter em suas músicas. Quem disse que rodar os pedais não pode equivaler à arte? Dane-se o esporte.